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CARNAVAL DE QUELIMANE: PERGUNTAS DE ONTÉM, FEITAS HOJE


É, necessário lembrar, historicamente que o Carnaval com estilo brasileiro confunde-se com o comércio de escravos. Pois, foi aqui onde atracaram navios e desembarcaram tripulantes vindos do Brasil com o propósito de transporte de escravos. E, como se não bastasse, alguns se enraizaram criando um ambiente de festas e farras misturadas com as culturas lusitanas e indianas.


Segundo Claudina Lima[1] “Quelimane é um dos lugares de Moçambique que forneceu escravos para Brasil. No entanto, assume em Quelimane, o tal Carnaval com paços de samba, enfrentou o desafio do pluralismo cultural e processo de empréstimo e de transculturação.”

A manifestação proveniente de hábitos e costumes deste povo do Sul da actual Zambézia, particularmente de Quelimane, ligados ao canto e dança bem como instrumentos e indumentária transformou-se em Carnaval pelo que se sabe nos princípios do ano 60 do século passado (séc. XX), concretamente.

Carnaval de Quelimane - 2010
Hoje, não me vou concentrar nos factos históricos, mas sim no texto que considero polémico que versa sobre o Carnaval de Quelimane. Texto esse publicado[2], no dia 26 de Fevereiro de 2011, no blog do Dr. Manuel de Araújo (actual Edil do Município de Quelimane), assinado pelo também Ilustre António de Almeida, intitulado ‘’Vovô Camal e Papá Pio, o que se passa com o Carnaval Chuabo?’’

Este Texto com certeza feriu os esforços realizados pelos Senhores Pio Matos (Edil cessante do Município de Quelimane) e Camal (Secretariado Tecnico de Grande Eventos Municipais), respectivamente. Tive o privilégio de ler o Texto, relê-lo e trelê-lo e ouvi, atentamente, os comentários sobre o Texto naquela semana do ano passado.

Confesso que não fiquei surpreendido porque perfilho a máxima histórica de que qualquer evento, conceito ou opinião é susceptível de vários entendimentos e de causar vários tipos de objeção no interlocutor destinatário.

Porque acredito que naquela altura alguns de nós não prestamos a devida atenção daquele Texto, faço questão de trazer alguns trechos do qual serão precedidos pelos meus questionamentos e objecções:

Começarei com o 2º Paragrafo[3], se lê o seguinte: ‘’Naquela altura, as Bandas musicais tocavam e encantavam o público e os grupos ganhavam prémios justamente e não se olhava a cara das empresas. Os bairros concorriam sem medo de serem discriminados.’’ 

E então, caro comparsa António de Almeida, neste Carnaval o que se fez? As Bandas tocaram e encantaram o público? Os grupos ganharam justamente sem olhar cara das empresas e nem grupos dos bairros? Os bairros concorreram sem medo de serem discriminados?

3º Paragrafo: ‘’ Hoje o carnaval anda doente, quem sabe mutilado, amputado por pessoas que nem se quer tem o carácter de contribuir para a postura do carnaval chuabo e se calhar nunca tiveram um.’’ 

E hoje? O Carnaval já está saudável? Quando se refere de saudável é quando os grupos foliões são compostos, maioritariamente, por crianças com menos de 18 anos ou uma outra coisa? A mutilação, amputação da qual se referia é sobre quem? Já pensou que a mutilação é aquela de retirar a identidade dos grupos dos Bairros em nomes que não identificam os residentes.

4º Paragrafo: ‘’Onde estava o Papá Pio quando nomeou para a organização de eventos culturais, pessoas arrogantes que esticam o pescoço e levantam os ombros como que se as partes não pertencessem ao corpo; será que isso é saudável para a nossa cultura que já está magra pela cólera transmitida pelo desprezo do poder? É mesmo saudável Papá Pio?’’

Esta parte do texto deixou-me quase asfixiado, ora vejamos, pelo que sei, foi a pessoa que Papa Pio nomeou, que hoje está na organização do Carnaval. Me desmintam se a pessoa que organizou este ano não foi o Vovó Camal? Ou, foi alguém com qualidades extraterrestres que tanto se defendeu!

6º Paragrafo: ‘’ Não quero na brancura deste espaço e a tinta preta, tirar o mérito das pessoas, mas por favor eu sou Chuabo e doe-me ver que o nosso Carnaval já há muito que está no velório, a caminho do cemitério, onde já foram enterradas outras tantas culturas do meu povo.’’

Um parágrafo com qualidades poéticas inquestionáveis e diga-se lindo, todavia como dizem os jovens de Hoje, brother não achas que é ridículo este pensamento! Já viste a se enterrar a cultura de um povo algum dia!

Bem, que eu saiba a cultura, esse património imaterial citando o saudoso Presidente Samora Moisés Machel “o Sol que nunca desce” pouco muda ou, melhor muda passado um lapso de tempo considerável. Dai que não faz sentido a Vossa análise e só rebate o Vosso prestígio (...). Na minha modesta opinião, recomenda-se leitura de livros de Antropologia e Sociologia e quiçá de História para evitar erros de análise.

Pelo contrário, se for esse o pensamento e leitura da realidade, então este ano concordo plenamente consigo, só vimos um Carnaval de Quelimane em pleno cortégio fúnebre rumo ao cemitério.

16º Paragrafo: ‘’ Hoje, os SÁLDICOS e os GARIMPEIROS são Bandas que já não participam na festa de Carnaval, porque sentiram-se injustiçadas por alguém que mamou o tako das Bandas.’’

E nesta edição conseguimos trazer de volta os SÁLDICOS e os GARIMPEIROS? Ou, Alguém, também, mamou o tako?


17º Paragrafo: ‘’ Hoje são convidados os putos músicos que agora tocam por gosma, mas amanhã irão cobrar porque a fome e a responsabilidade os irá apertar. E ai Vovó, como vão ficar as coisas? Vamos ter um Carnaval animado pelos DJ´s? Que pena mesmo, ter pessoas caducas no sistema operativo’’.

Quem assegurou o Carnaval este ano? Pelo que sei são os tais putos músicos que tocam por gosma. E o Vovó, o tal caduco do sistema operativo aquém, há um ano atrás, lhe dedicaram este texto é o tal que ajudou na organização neste ano. Será que havia necessidade meus queridos de lhe dedicar o texto ou vale a máxima agora “mudam-se os tempos e as vontades também.” Ou, ainda deixa-me apelar a cultura que dizem que já morreu “Mulughu Nanvedeghu espero que conheçam esse nosso bem famoso adágio popular, se não então perguntem o Vovó aquém dedicaram o texto que vos dirá o significado.

19º Paragrafo: Hoje a música do Carnaval não se ouve, porque arranjam megafones, pagam preços baixos e descaradamente dizem que é aparelhagem. Será que o município de Quelimane não tem capacidade de adquirir uma boa aparelhagem para fazer face aos eventos culturais? Será que não? 

Então, tudo indica que este ano estava audível, não é? Onde até no Kopus Pub não se ouvia nadinha. Este ano arranjaram mega-aparelhagem? Acho que a mesma pergunta pelo Almeida é válida aqui: Será que o Município de Quelimane não tem capacidade de adquirir uma boa aparelhagem para fazer face aos eventos culturais? Ou será que não? 

20º Paragrafo: ‘’ Hoje as barracas tocam tudo e não respeitam a música tocada do Carnaval; mas como respeitar também se não se ouve?’’

E então, neste Carnaval o que aconteceu? Mudou alguma coisa? Ouvi muita batida, Deep House nas barracas, claramente, o som não arrastava corações e nem multidões. No primeiro dia do Carnaval, somente, tocou DJ e não houve música ao vivo, algo que nunca tinha acontecido na história do Carnaval.

Se realmente, "o verdadeiro segredo da Arte é corrigir a natureza" como diz Voltaire. Cada um de nós é convidado para dar um pouco da sua habilidade na nossa natureza. Viva a Arte sem criticar de forma hostil.

E como recordar é viver, estas coisas de cultura é recriar o que já existe, escrevi este texto para chamar atenção de que Quelimane não feito de distraídos, por favor não escreva por escrever, não critique por criticar porque amanhã a experiência pode ser minha, sua ou vossa e não saberemos por onde começar….

Muito cuidado como dizem os jovens de Hoje, brother porque ‘Mulughu Nanvedeghu,’’ e um dia seremos obrigados a preencher o velho ditado “mudam-se os tempos e as vontades também” e depois aos olhos das pessoas mais atentas ou menos distraídas ficarmos mal na fotografia. Por favor, leia mais, informe-se mais sobre cultura esse “Sol que nunca desce” na Antropologia, na Sociologia e quiçá na História.


[1]  Pesquisadora no seu estudo Reflexão Sobre a História do Negro do Brasil.
[2] Dois (2) meses depois do Carnaval de Quelimane, apraz-me discutir, ou melhor debater ideias desse Texto para o bem da verdade antropológica, sociológica e histórica.
[3]  Os parágrafos vêm a vermelho para melhor diferenciá-los do texto da minha autoria.

Comentários

  1. Meu camarada Amostra Sobrinho, esse seu texto “bem elaborado”, faria todo sentido, se depois do carnaval desse ano, António de Almeida voltasse a escrever alegando que o carnaval de Quelimane tinha voltado ao “antigamente” e melhorado.
    O autor do texto que usas como pretexto para seu texto, não fez mais do que embarcar numa nostálgica viagem ao passado e indignado, embriagar-se em comparações. Se li e entendi bem o texto dele na altura em que foi publicado e agora, em nenhum momento ele “profetiza” que o carnaval desse ano seria como o de antigamente. Pode haver quem imprudentemente tenha acreditado(parecer ser o seu caso) que pelo simples facto de termos um novo edil a dirigir os destinos da cidade de Quelimane, as coisas seriam totalmente diferentes, mas a sensatez devia nos alertar que da tomada de posse do tal novo edil à organização do carnaval, ia um intervalo de tempo demasiado demais para mudanças profundas que nos garantissem um carnaval como o dos tempos que lá se foram. Pelo que percebi, no exercício de encontrar as causas, o autor “se perde” emocionalmente em ataques pessoais pouco ou mal fundamentados e me parece que foi justamente o mesmo espirito que norteou o camarada Amostra na lavra deste texto. Se eu tivesse que “reescrever” o seu texto para o meu filhinho de ano e meio eu simplesmente diria, “Mesmo com Manuel de Araujo, o carnaval continua uma m***a” e ao dizer isso estaria de alguma forma a dar fazer “eco” ao António de Almeida.

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  2. Bem, grande compatriota Nelson, posso até concordar consigo em algum ponto, mas seria extremamente deficil e/ou impossivel (está provado) que o nosso compatriota António de Almeida em nenhum momento escreveria um outro texto este ano com o mesmo teor que fosse divulgado no blog de Manuel de Araújo….como vé, esperei quase 2 meses que ele escrevesse algo ou uma outra individualdade tomasse alguma nota em volta do evento, mas nada aconteceu, daí que me deu a vontade de expor minhas ideias. Pode até haver imperfeição na minha opinião, mas tentei deixar claro que ataques a parte, carnaval a parte…..

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  3. Quelimane não é feito de distraídos, por favor não escreva por escrever, não critique por criticar porque amanhã a experiência pode ser minha, sua ou vossa e não saberemos por onde começar…. Assino e apoio. Parece-me que naquela altura, o texto de Almeida tinha objectivos ideologicos claros.. dai q não casou, honestamente com a realidade do Carnaval de Quelimane

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