Por: David F. Muaga*
“O argumento da raça ou da tribo é um
expediente fácil de usar, não precisa de manual de instruções e pode ter
efeitos espectaculares” – in Mia Couto: “Os falsaportes”.
Nos últimos tempos o debate público do
dia-a-dia nacional centrou-se, grosso modo, no crescimento e desenvolvimento
económico e na distribuição dos dividendos que poderão advir dos projectos de
mineração e exploração petrolífera, assistindo-se debates românticos e
apaixonados em vários holofotes e canais de opinião. Mas, existe um elemento
que não se reveste de elevada complexidade conceitual e que na minha humilde
opinião carece também de um debate fraterno na esfera pública nacional, dentro
dos mesmos pressupostos: a cultura, cultura moçambicana.
Mural do artista Kumalemo, na Casa Provincial de Cultura da Zambézia, merecendo a sua interpretação. Foto: AS |
A experiência mostra que os persistentes
conflitos em África têm como uma das causas o tribalismo e a luta pela posse e
detenção inter-regional ou grupal dos recursos naturais. Por outro lado, é do
conhecimento de todos que Moçambique é um País multi-cultural e multi-étnico,
ou seja, possuidor de diversas culturas e etnias que compartilham o mesmo
espaço geográfico. Nesta vertente, surge uma natural necessidade de definir-se
um quadro global de medidas de forma a precaver o País de uma possível situação
similar à dos vários exemplos conhecidos ao nível do continente.
Assim, a criação de uma plataforma de
diálogo genuíno e inclusivo ao nível nacional, a introdução de um módulo de
educação cultural nos currículos do sistema nacional de educação e a aprovação
de uma nova política cultural e da estratégia da sua implementação ajustadas à
realidade actual (pois, a política e a estratégia vigentes foram aprovadas em
10 de Junho de 1997) podem constituir alternativas razoáveis para garantir a
manutenção e o fortalecimento das relações culturais inter-regionais no País.
Não obstante a criação do “Comité de
Artes e Cultura de Moçambique” por parte do Governo do dia, é de todo
necessário que os esforços que visassem galvanizar a área da cultura fossem
apanágio de um empenho aturado de todos os actores e das demais forças vivas
existentes no País, pois a cultura é intrínseca a todos e não deve ser vista
como produto de um conjunto restrito de indivíduos.
Tenho perfeita consciência de que o
povo moçambicano é por característica “amante da paz” sendo, deste modo, pouco
provável que situações de género (conflitos étnicos) possam surgir mas, também
é útil afirmar que uma eventual distribuição desigual dos recursos existentes
pode criar focos de descontentamento inter-regional que por sua vez podem abrir
espaço de manobra para diversas situações que não são do nosso total
imaginário.
Nestes termos, não é desproporcionado
que sejamos convidados a debater meios de manutenção do actual paradigma
cultural, os quais não devem resumir-se apenas nos aspectos semânticos das
políticas, estratégias ou regulamentos. Ora, muito além das propostas e de
todos os elementos arrolados no presente apontamento, é importante que haja boa
fé e empenho de toda a sociedade, sob pena de assistirmos futuramente o nosso
País mergulhado numa balbúrdia de conflitos étnicos e tribais.
* Estudante do Departamento de Ciência Política e Administração Pública, Faculdade de Letras e Ciências Sociais, Universidade Eduardo Mondlane - Maputo
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